Os monges do deserto, cristãos que buscaram na solidão do ermo uma experiência autêntica com Deus, falavam da importância da espiritualidade “de baixo”. Desejosos de fugirem da vida religiosa meramente de aparências e palavras bonitas, eles insistiam em que o caminho para Deus começava por baixo, pelo reconhecimento de nossas paixões e pela percepção das regiões sombrias de nossa alma.
Eles rechaçavam os “altos ideais”, as conversações sobre assuntos meramente de cima, questões celestiais e por demais abstratas que só servem para levar o homem para longe de si mesmo e sua própria realidade, devastada e aprisionada pelas paixões.
Esses mestres espirituais, dos quais o ensino não brotava da teoria, mas do andar com Deus diário, prático, que encara as situações do cotidiano não como um empecilho para a vida com Deus, mas como o único caminho para nos levar a uma relação autêntica com o Pai, diziam que antes de querermos “enfeitar o telhado de nossa casa”, deveríamos descer ao “sótão”, àquele lugar úmido em nossa alma, pouco visitado ou mesmo quase nunca, de tão assustador e desprezível.
Espiritualidade de baixo tem a ver com enxergar-se, olhar-se sem a maquiagem da piedade fingida que se mostra aos outros como “bom”. Tem a ver com o desnudar-se diante de Deus e do próximo, não desejando nunca que pensem de nós além daquilo que somos.
Por vezes, nossa intolerância com os pecados alheios, nosso desejo e tendência constante para o criticismo, caracterizado por achar defeitos nos outros e na igreja o tempo todo, trata-se do não reconhecimento dos próprios pecados, reprimidos e não tratados na presença de Deus.
Acostumados ao silêncio e à solidão, a viver na quietude onde as ilusões se desfazem e assim o auto-engano não encontra mais lugar, os eremitas do deserto se tornaram os psicólogos da antiguidade. Treinados em ouvir os sussurros da própria alma, eles não se deixavam impressionar pela espiritualidade desmedida (“de cima”), que insiste em discutir e querer ter a razão nas questões “estratosféricas” da teologia cristã, mas insistiam em prescrever a humildade como caminho para Deus. “Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, e Ele, a Seu tempo vos exaltará” (I Pe.5:6), era o lema de vida destes homens.
A verdadeira humildade que conduz a Deus e não aos ídolos do próprio coração, precisa passar pelo reconhecimento de quem sou, minhas mazelas, imaturidades, paixões e idiossincrasias. Neste sentido, o reconhecimento honesto de quem sou contribuirá para tornar-me aquilo que nasci para ser. Paulo, possuía um espinho na carne que era o próprio diabo a esbofetear-lhe o rosto. Mas o poder de Deus, manifestava-se em sua fraqueza.
O caminhar cristão saudável está baseado no auto-conhecimento desprovido de ilusões onde reconheço quem sou, e da noite escura de minha alma parto em direção da luz do evangelho da glória de Cristo, buscando no auxílio de irmãos e da Palavra, nunca isolado, a cura de minhas feridas, a fim de um dia poder tornar-me aquele que aos outros consola, mas com as mesmas consolações que tenho sido consolado.
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* Filipe Barbosa Macedo – Extraído do blog O Pastor e o Monge
Tudo quanto, provindo do Santo Espírito, é manifestado no Corpo e/ou derramado sobre o Mundo Perdido, é imiscível (como o óleo na água), valioso (como a joia rara diante da bijouteria produzida em massa) e superior (como o sol a pino, sobrepujando a tênue luz da lâmpada de rua que, defeituosa e sozinha, continuou acesa mesmo havendo findado a noite).
Graças a Deus; e obrigado, aos santos irmãos que, para a glória de Deus, salvação dos perdidos e edificação da Igreja de Cristo, tem compartilhado coisas (como o texto acima) tão excelentes.
Imagine-se a sensação de um analfabeto, cujo sonho mais alto é aprender apenas a “assinar o nome” que, em passeio turístico por uma renomada academia, se depara com um tesando em interação com a banca que lhe outorgará o pós-doutorado… Foi exatamente a sensação que me invadiu (e se manteve) durante toda a leitura do texto acima!
Evocou-me uma “regra de fé” simplista e bem humorada, que me foi ensinada nos primeiros dias de decisão pelo Salvador, e que (nunca esqueci) dizia:
1º) Trate SERIAMENTE com o pecado;
2º) NUNCA se defenda;
3º) NUNCA seja dono de coisa alguma;
4º) NUNCA passe adiante algo que possa prejudicar alguém;
5º) NUNCA aceite pessoalmente qualquer glória.
Quanto a quem escreveu (se foi mediante experiência pessoal na presença de Deus) isto, acredito que “conhecia um pouco do Evangelho de Cristo”. Quanto a mim, afirmo SERIAMENTE que NUNCA consegui ser aprovado no teste do “pentálogo” e, assim sendo, careço profundamente das orações de todos em meu benefício.
Gostaria muito (rsrsrsrs) de obter um mestrado em Mc. 14:38; mas, até chegar lá, continuo aceitando toda ajuda que me puder ser dispensada aqui, para obtenção de minha declaração de “alfabetizado”. Que o Senhor recompense a bondade de todos e continue presene neste espaço.
Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, e Ele, a Seu tempo vos exaltará” (I Pe.5:6), era o lema de vida destes homens.
E desejo que (assim como aspiro em relação à minha própria vida) a práxis de IPe. 5:6 tenha sido Lc. 9:23 e não Cl. 2:8.
Jesus se retirar (ausentar-se de conviívio social) para orar parece ter sido prática contínua em sua vida; mas onde estão, no Cânon, práticas ascéticas deixadas por Ele para Sua Igreja neotestamentária?.
Querido Ivo. Na glória da cruz este, que é o mais miserável dos pecadores, saúda o estimado irmão.
As práticas ascéticas receberam diversos nomes ao longo da tradição cristã: disciplinas espirituais, exercícios espirituais, treinamento para a alma etc.
A palavra ascético(a) vem da palavra grega ascese que significa simplesmente treinamento.
Logo essas práticas ascéticas eram os exercícios espirituais que foram desenvolvidos por homens e mulheres ao longo da história cristã, baseados e inspirados nas Escrituras, que tinham por objetivo o aprofundamento da vida espiritual e a formação da imagem de Jesus no viver diário do discípulo.
O texto que inspirou a formulação desses exercícios/disciplinas espirituais é o chamado de Paulo em 1Tm 4:7, 8 que diz –
“exercite-se na piedade (vida santa). O exercício físico é de pouco proveito; a piedade, porém, para tudo é proveitosa, porque tem promessa da vida presente e da futura”
Como eu disse acima esse exercícios ou disciplinas do espírito surgiram a partir do testemunho das Escrituras. Algumas práticas, como o irmão bem observou, encontramos na vida do próprio Senhor. Outras porém nos surgem ao longo das páginas do Livro Sagrado. Segue abaixo alguns dos exercícios ascéticos que foram consagrados na tradição da espiritualidade cristã:
ADORAÇÃO – expressar por meio de palavras, música, atos e com a própria vida a grandeza de Deus (Gn 24:28; Ne 8:6; Sl 99:5; Is 66:23; Mt 4:10; Lc 2:37; Jo 4:20-24; Rm 12:1; Fp 3:3; Hb 12:28; Ap 22:9)
COMUNHÃO – unir-se a outros discípulos para adoração e serviço de Deus (Sl 133:1-3; Mt 18:20; At 2:42; Rm 12:4-17; Ef 4:15,16; Cl 3:8-17; Hb 10:23-25; 1Jo 1:3).
CONFISSÃO – compartilhar nossas fraquezas e pecados com Deus e com pessoas de confiança afim de experimentarmos a graça divina através do perdão e da cura (Lv 5:5; Ed 10:1; Ne 1:6,7; Sl 32:5; Sl 38:18; Mt 3:6; Tg 5:16; 1Jo 1:9).
DISCRIÇÃO OU SEGREDO – decisão consciente de evitar que as boas ações e qualidades pessoais sejam conhecidas. Com isso, o desejo de ser reconhecido e ovacionado é controlado (Sl 51:6; Mt 6:4; Mt 6:6; Mt 6:18;)
ESTUDO – processo deliberado de ocupar a mente com a Palavra de Deus mediante investigação, análise e comparação da mesma (Dt 17:19-20; Dt 31:10-13; 2Tm 2:15; 2Tm 3:15-17).
JEJUM – abstenção voluntária de uma função costumeira (geralmente, a alimentação) visando a dedicação a uma atividade espiritual mais intensa (Dt 8:3; 1Sm 7:6; 2Cr 20:3; Ed 8:21-23; Sl 35:13; Jl 2:12,13; Mt 4:2; Mc 2:18-20; Mc 9:29).
MEDITAÇÃO – reflexão sobre a Palavra, em espírito de oração, buscando internaliza-la através dos afetos e emoções (Gn 24:63; Js 1:8; Sl 1:2; Sl 19:14; Sl 119:97, 99, 148; Fp 4:8; Cl 3:2; Hb 3:1,2; HB 12:2-3).
ORAÇÃO – conversa interativa com Deus. Um diálogo (Gn 25:21; 1Rs 9:3; 2Cr 7:14; 2Cr 33:13; Sl 32:6; Sl 65:2; Pv 15:29; Mt 5:44; Mc 1:35; Mc 6:46; Mc 9:29; At 1:14; At 2:42; At 12:5; Rm 12:12; Ef 6:18; Cl 4:2; 1Ts 5:17).
SERVIÇO – promoção ativa do bem dos outros e do Reino de Deus no mundo (Dn 6:20; Ml 3:17,18; Mt 20:26; Mt 23:11; Mc 10:45; Jo 12:26; At 20:19; Rm 12:11; Cl 3:24; 1Pe 2:16; Ap 1:6).
SILÊNCIO – fechar a alma para os sons, sejam eles barulho, música ou palavras, para acalmar o tumulto interior do coração agitado e dedicar mais atenção a Deus (1Sm 1:13; 1Rs 19:12; Sl 4:4; Sl 131:2; Is 30:15; Lm 3:26; Hc 2:20; Tg 1:19; Ap 8:1).
SOLITUDE OU SOLIDÃO – decisão voluntária de abster-se do contato com outras pessoas para oferecer uma maior atenção a Deus (Gn 32:24; Os 2:14; Mt 14:23; Mc 1:35; Mc 6:31; Mc 9:2; Lc 9:18).
Existem ainda outras disciplinas como submissão, simplicidade ou frugalidade, sacrifício, orientação etc. que se fôssemos aqui descrever como as supracitadas este posto ficaria ainda mais extenso do que já está.
Espero ter ajudado. Um forte abraço de seu servo e irmão menor.
Paz e bem!
A Adoraçãoi/comunhão/confissão/discrição/estudo/jejum/meditação/oração/serviço/silêncio/solitude (desde que no Espírito), eu consigo enxergar nas páginas neotestamentárias como práticas deixadas por Ele para os filhos de Deus. Mas onde, no Novo Testamento, encontramos a prescrição de monasticismo para a Igreja de Cristo?
Oi amado Ivo. Saúdo-te no amor do Amado de nossas almas. Paz!
A grande verdade é que todo movimento espiritual, por mais que no início direcionado pelo Espírito Santo, têm suas falhas pelo ser humano estar no meio disso.
O movimento monástico teve início no século IV quando cristãos, ao verem a corrupção de uma igreja que se institucionalizou como religião oficial do Império Romano, foram para o ermo para ali se dedicarem à oração, meditação da Bíblia e orientação espiritual.
O mais interessante, não sei se o irmão sabe, é que esses cristãos no início do movimento passavam períodos no deserto, mas, depois retornavam para a cidade com o intuito de pregar o evangelho de Cristo convidando homens e mulheres ao arrependimento de seus pecados e o retorno dos que já era convertidos a uma vida cristã legítima.
Existiram também, e ainda existem, movimentos monásticos que não praticaram a clausura e que se colocam engajados na sociedade, como por exemplo a ordem dos franciscanos e Salesianos.
O movimento monásdtico pode ser dividido em dois tipos: anacoretas e cenobíticos. O primeiro tratava daqueles que se isolavam como ermitões solitários. Já o segundo compreendia grupos de cristãos que formavam comunidades para viverem isoladas e praticarem os fundamentos da espiritualidade ascética (disciplinas; exercícios espirituais).
O atual monasticismo que vemos é herança direta dos cenobíticos. Com certeza, talvez seja muito difícil encontrar base nas Escrituras para uma prática cristã como essa de se isolar da sociedade e tal. Contudo, além da rica tradição das disciplinas espirituais e vida de contemplação que eles nos deixaram, creio que uma outra contribuição por parte desses homens é de natureza mais velada, instríseca. Eles nos servem como uma placa de sinalização: nos apontam para a realidade da existência de um outro mundo e que precisamos estabelecer pauzas em nossos dias para que possamos acessar esta outra realidade. Eles são um protesto eloquente contra o ritmo apressado e frenético em que esse mundo tem vivido. Nos ajudam a lembrar que para Deus é mais importante o ser do que o ter e o fazer. Eles nos ajudam a lembrar que precisamos nos disciplinar a parar, observar e ouvir o que Deus nos oferece através da realidades ordinárias do cotidiano, e que muitas das vezes deixamos de receber porque “passamos correndo”.
Enfim, acredito que devemos ficar com o conselho paulino e reter o que é bom. Um forte abraço e que Deus o abençoe.
Paz e bem!
Muito obrigado, pastor, pelos esclarecimentos. E penso que nem sempre seja interessante tomar como exemplo de vida cristã profunda o modo de viver e proceder de alguém (independentemente de confissão religiosa que diga professar), que, por exemplo, há trinta anos supostamente “contempla a cruz de Cristo”, mas continua cercado de estatuetas, velas e rituais (para não falar em declaração de credo – seja lá que grupo religioso integre – contrários à Santa Escritura). (Se o tal quer servir a Deus desta maneira, que o faça; afinal, cada um dará conta de si mesmo a Deus, e na hora de “o fogo provar qual seja a obra de cada um”, serei julgado segundo minha consciência, assim como o tal será “pesado na balança” segundo a consciência dele, não segundo a minha. Além do que, jamais serei “porteiro” (controlador) do acesso à vida eterna, de quem quer que seja).
É verdade que os sábios se instruem, até mesmo observando um tolo; mas é verdade também que muitas ovelhas dEle, se ensinadas a observar um tolo para instruirem-se, aprenderão a errar (ao invés de crescerem na graça e no conhecimento dEle). Como ovelha, confesso que não estou amadurecido a ponto de receber de um ministro, orientação para aprender com quem me demonstra entender da Bíblia menos que até eu mesmo. A Bíblia não apenas me autoriza, mas me ordena, IIJo. 1:10 justamente para eu não me embaraçar com Hb. 13:9, supondo que esteja indo bem em Hb. 6:1.
Querido Ivo. Graça e paz!
Compreendo sua dificuldade. Pois, há alguns anos atrás era a minha própria. Aprendi como ministro do evangelho e orientador espiritual respeitar o momento de cada um na jornada espiritual que está empreendendo. Por isso, respeito muito sua posição.
Contudo, se nada do que foi dito até aqui serviu para crescimento e enlevo do irmão, peço humildemente perdão por minha fraqueza em não poder cumprir o propósito de glorificar a Deus edificando os membros do seu amado Corpo.
Só lhe rogo que leves uma única coisa contigo: que a salvação do homem não depende terminantemente na exatidão doutrinária de sua confissão cristã (não religiosa). Devemos nos lembrar que quando o evangelho foi pregado pela primeira vez o Novo Testamento ainda nem sonhava em ser escrito e que só existiam as Escrituras da Velha Aliança.
A mensagem de salvação que independe de qualquer outra coisa era pregada desde o início: “O Reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho”.
É o crer e confiar na salvação em Jesus que coloca o homem em relação filial com Deus. Agora, se depois disso ele vai sair da confissão cristã X para ir para a Y, isso é com o Espírito Santo. Não compete a nós.
Contudo, os equívocos teológicos não impedem ninguém de ser salvo se a pessoa teve contato com a mensagem da salvação em Jesus. Veja bem não estou em nenhum momento dizendo que os erros não são erros ou que deveríamos aceitá-los ou algo assim. A única coisa que quer deixar claro é a diferença que existe entre a mensagem do evangelho que é a única que salva e os postulados teológicos/doutrinários de determinada confissão cristã, sejam certos ou errados.
Não precisamos ir muito longe. No nosso próprio arraial vemos exemplos disso. vamos dizer uma pessoa que estava desesperada, a vida ruindo e ela entre numa dessas igrejas cheias de erros teológicos e doutrinários como por exemplo teologia da prosperidade, confissão positiva etc. E ali, naquele culto, é pregado uma mensagem de salvação em Cristo e essa pessoa recebe a Jesus como único e suficiente Senhor e Salvador.
O amado irmão sabe que isso não é só uma ilustração. Isso tem acontecido de fato. E após se converterem muitos ao perceberem os erros teológicos da dita igreja procuram outra com uma doutrina mais ortodoxa, se assim podemos dizer. Contudo, muitas outras permanecem na igreja onde se converteram e ficam lá até a morte, mesmo com todos os erros doutrinários e teológicos da mesma.
Será que essas pessoas realmente não são salvas? A resposta é dupla: sim e não. Deus é quem sabe. Da mesma forma que numa igreja teológica/doutrinariamente ortodoxa tem gente salva e gente achando que está salva.
O que salva é a fé em Cristo e tão somente ela. Porque naquele grande dia não seremos condenados ou não por nossa exatidão teológica e sim por nossos nomes estarem escritos no Livro da Vida.
Um forte abraço.
Paz e bem!